Disfunções sexuais: quando procurar ajuda profissional? A meu ver esta questão poderia ser dividida em duas ou três questões: O que são as disfunções sexuais e o que sei sobre elas? Tendo uma disfunção sexual, quando devo agendar uma consulta de sexologia? Devo procurar ajuda profissional mesmo tendo só algumas dúvidas sobre a minha sexualidade? Se o meu parceiro/a sexual tem uma dificuldade sexual, como devo abordar esse assunto?
Com este artigo, pretendemos clarificar o caminho e ajudá-lo/a a refletir melhor e de forma mais informada sobre as respostas a estas questões. Os psicólogos não dão conselhos ou soluções milagrosas, mas ajudam a construí-las consigo, com o que faz mais sentido na sua vida, na sua relação consigo e com o/a seu/sua parceiro/a. Preparados?
O que é uma disfunção sexual?
De acordo com o DSM V-TR (APA, 2022), as disfunções sexuais caracterizam-se tipicamente por uma alteração clinicamente significativa na capacidade de uma pessoa responder sexualmente ou sentir prazer sexual. Um indivíduo pode ter várias disfunções sexuais em simultâneo. Nesse caso, todas devem ser diagnosticadas e o/a profissional deve intervir sobre cada uma delas.
Outro fator fundamental a destacar é quando teve início: é assim desde que iniciou a sua vida sexual e por isso um padrão de resposta habitual? É situacional e só se verificou com um/a novo/a parceiro/a, com um tipo de estimulação particular ou numa fase da vida particularmente desafiante da sua vida?
É relevante perceber se as dificuldades sexuais são resultado de uma estimulação sexual inadequada. Se não há estimulação eficaz, esta impede a experiência da excitação e subsequentemente do tão desejado orgasmo.
Antes de passarmos com mais detalhe para as disfunções, é relevante perceber o que diz a ciência psicológica acerca do ciclo sexual normativo, percebermos onde se encaixa o desejo, a excitação, o orgasmo, e como são diferentes, sem uma análise mais profunda, apenas relativamente ao género.
Filmes como o Relatório Kinsey ou a série Masters of Sex são representativos de alguns estudos sobre a sexualidade. Se numa fase inicial Masters & Johnson (1966, 1970, in Nave, 2019) consideravam a resposta sexual como bifásica (excitação e orgasmo), hoje sabemos que ela agrega não só o desejo, como este e a excitação divergem entre mulheres e homens. Na atualidade, sabemos que as mulheres demonstram um desejo sexual responsivo, ou seja, em resposta a estímulos sexuais. Daí a importância dos preliminares! Não sentir desejo numa fase precoce de um encontro sexual, não é sinónimo de uma experiência sexualmente pouco satisfatória.
Como se manifestam as disfunções sexuais?
Estas perturbações podem manifestar-se de várias formas e podem surgir em qualquer fase do ciclo de resposta sexual. Compreender as diferentes variantes e especificações das disfunções sexuais é fundamental para uma avaliação precisa e um procedimento terapêutico eficaz.
Desta forma, as disfunções podem especificar-se da seguinte forma:
- Ao longo da vida: Esteve sempre presente desde que o indivíduo se tornou sexualmente ativo
- Adquirida: Surgiu após um período de função sexual relativamente normal
- Generalizada: Não se limita a certos tipos de estimulação, situações ou parceiros
- Situacional: Ocorre apenas com certos tipos de estimulação, situações ou parceiros
- Gravidade:
-Ligeira: evidência de mal-estar ligeiro
-Moderada: evidência de mal-estar moderado
-Grave: evidência de mal-estar grave
Quais os diferentes tipos de perturbações sexuais?
A compreensão e classificação das disfunções sexuais são fundamentais para a prática clínica. A APA (2022) delineou uma estrutura abrangente para categorizar e descrever diferentes tipos de disfunções sexuais, fornecendo, assim, uma base para a avaliação clínica e intervenção terapêutica.
Assim sendo, as disfunções sexuais distribuem-se da seguinte forma:
Disfunções sexuais femininas
Perturbação do orgasmo feminino:
atraso marcado, ausência de orgasmo e/ou redução marcada da intensidade das sensações orgásmicas. Muitas mulheres necessitam de estimulação clitoriana para atingir o orgasmo e uma proporção pequena refere atingir sempre o orgasmo com penetração peniano-vaginal.
Perturbação do interesse/excitação sexual feminina:
geralmente associada a problemas de orgasmo, dor durante a atividade sexual, atividade sexual pouco frequente e a discrepâncias quanto ao desejo sexual no casal. Envolve a ausência/redução de pelo menos 3 dos seguintes aspetos:
- – Interesse na atividade sexual;
- – Pensamentos ou fantasias sexuais/eróticas;
- – Iniciativa para a atividade sexual e recetividade às tentativas do parceiro;
- – Excitação/prazer sexual durante a atividade sexual, em resposta a estímulos sexuais/eróticos internos ou externos;
- – Sensações genitais ou não genitais durante a atividade sexual
Perturbação da dor genitopélvica/penetração:
estando, por vezes, na presença de redução de desejo/interesse sexual podem verificar-se os seguintes fatores:
- – Dificuldades persistentes na penetração vaginal;
- – Intensa dor vulvovaginal ou pélvica durante a relação sexual ou tentativas de penetração vaginal;
- – Medo ou ansiedade marcados relativos a dor vulvovaginal ou pélvica em antecipação, durante ou como resultado da penetração vaginal;
- – Compressão marcada dos músculos do pavimento pélvico durante a tentativa de penetração vaginal.
Dentro desta designação cabe a dispareunia (dor durante a relação sexual) e o vaginismo (contração involuntária da musculatura vaginal, dificultando ou impossibilitando a penetração vaginal), que eram previamente classificadas em separado, mas dada a sua concomitância fundem-se nesta única definição.
Disfunções sexuais masculinas
Ejaculação retardada:
atraso marcado, não desejado, ou incapacidade para atingir a ejaculação. Pode ser pertinente avaliar se a queixa se centra nesta situação, na sensação do orgasmo ou em ambas, uma vez que a ejaculação e orgasmo ocorrem habitualmente em simultâneo, mas não obrigatoriamente.
Disfunção erétil:
dificuldade marcada em alcançar a ereção durante a atividade sexual, em mantê-la até completar a relação sexual e/ou diminuição significativa da rigidez da ereção.
Perturbação do desejo sexual masculino hipoativo:
pensamentos e/ou fantasias sexuais/eróticas e/ou desejo de atividade sexual persistentemente diminuídos ou ausentes.
Ejaculação prematura (precoce):
padrão persistente de ejaculação que ocorre aproximadamente um minuto após a penetração e antes que o indivíduo a deseje.
Outras disfunções sexuais:
Disfunção sexual induzida por substância/medicamentos
Disfunção sexual com outra especificação
Disfunção sexual não especificada
Disfunções Sexuais em Números
De acordo com alguns relatos que surgem em consulta, ter conhecimento de alguns números ajuda os pacientes a normalizar as suas dificuldades e traz algum conforto perante o futuro processo terapêutico. Na verdade, os problemas da resposta sexual são comuns: cerca de 40% dos homens e 50% das mulheres relatam um ou mais problemas, independentemente da sua frequência e/ou gravidade (Nave, 2019).
Entre os homens, as disfunções sexuais mais representativas são a ejaculação prematura, seguida das dificuldades de ereção, problemas de orgasmo e baixo desejo sexual. No seio da população feminina, a dificuldade mais comum é a falta de desejo sexual, seguida de problemas de orgasmo, de dificuldades de excitação sexual, de défice de lubrificação, de dispareunia e vaginismo (Nave, 2019).
Algumas causas e sintomas de disfunções sexuais
Durante a avaliação dos pacientes, é essencial focarmo-nos em todas as dimensões que podem afetar a saúde sexual daqueles indivíduos. Destacamos aqui alguns fatores que podem influenciar o aparecimento de disfunções sexuais:
- Fatores da relação: comunicação pobre e expetativas divergentes relativamente ao desejo da atividade sexual;
- Fatores de vulnerabilidade individual: imagem corporal fraca, história de abuso sexual/emocional, ansiedade de desempenho, medo de falhar;
- Fatores do/a parceiro/a sexual: dificuldades sexuais do/a parceiro/a, estado de saúde do/a parceiro/a;
- Perturbações mentais: depressão, ansiedade;
- Fatores de stress: picos de trabalho/estudo, burnout, desemprego, doença prolongada, luto;
- Fatores culturais ou religiosos: inibições associadas à atividade sexual e ao prazer;
- Fatores médicos relevantes para o prognóstico: consumo de drogas ou de medicamentos que alterem a resposta sexual; endometriose.
O/A profissional deverá avaliar todas estas questões que poderão sustentar o enquadramento do diagnóstico e serem determinantes na estratégia de tratamento a adotar com cada um, seja ele indivíduo ou casal. “É de livro” que as dificuldades sexuais apenas reúnem preocupação quando representam pelo menos 75% dos contactos sexuais e os sintomas persistem pelo menos durante 6 meses (APA, 2022).
Mas a pergunta que se impõe é: estamos com dúvidas, vamos aguardar que a situação escale e provoque mal-estar sem pedir ajuda? Que possa provocar o sofrimento no outro? Acho que já sabem a resposta!
As disfunções sexuais devem ser analisadas à luz de um contexto intrapessoal, interpessoal e cultural. Trata-se daquela pessoa, naquela relação, naquele contexto sociocultural. O que isso traduz é, que apesar de tentarmos uniformizar e em certa medida, talvez descomplicar, é importante passar às pessoas que as comparações são falaciosas e que a história de vida de cada um é isso mesmo.
Quando procurar ajuda profissional?
Após clarificarmos as principais causas e fatores que podem aumentar a probabilidade de ocorrência de uma disfunção sexual, isso permite-nos antecipar e até agir preventivamente perante o seu aparecimento.
Quando procuramos ajuda profissional poderá ser só porque sabemos que temos um lugar seguro para fazer questões que temos dificuldade de partilhar. Associa-se com frequência o pedido de ajuda a uma situação que implica sofrimento pessoal, que poderá ter impactado negativamente a relação, caso ela exista, ou até quando se pretende iniciar atividade sexual com um novo/a parceiro/a.
Como em todos os tratamentos, é preciso definir objetivos e que os mesmos sejam frequentemente revisados e ajustados no decurso da terapia de casal ou terapia sexual. Quando estamos perante um casal em que ambos apresentam disfunções, as boas práticas afirmam que devemos focar a intervenção terapêutica na disfunção com melhor prognóstico e posteriormente, estando os sintomas reduzidos ou eliminados, priorizar a disfunção do outro elemento daquela relação (Kaplan, 2014). Está claro que se deve explicar ao casal, em consulta, que o tratamento será então sequencial, para que o plano terapêutico seja compreensível e do conhecimento de ambos.
Qual o papel do sexólogo clínico?
O papel do sexólogo clínico é de informar, devolvendo conhecimento fidedigno sobre as melhores práticas no tratamento da(s) pessoa(s) que tem em consulta. Se for o caso, poderá fazer sentido “trazer” o/a parceiro/a sexual para o tratamento de forma a que haja um compromisso e um alinhamento de expetativas e de transparência na comunicação. É criada, assim, uma oportunidade para que ambos trabalhem crenças limitadoras ou desentendimentos, e se foquem na melhoria da relação, reconstruindo formas de pensar, experimentando alternativas para alcançar o prazer feminino e masculino, formatos de estimulação e, mais importante, oportunidades de (auto)descoberta para ambos. A existência de um 3º elemento no papel do/a terapeuta sexual, facilita a comunicação, que por vezes já chega à consulta deteriorada e que privilegia de um/a mediador/a para passarmos às próximas etapas.
A garantia de que os pacientes têm acesso a informação que lhes é relevante e que a comunicação é eficaz e positiva são elementos essenciais para promover o sucesso terapêutico, pois como dissemos inicialmente, as disfunções sexuais são multifatoriais e a nossa sexualidade muda de acordo com os nossos ciclos de vida e experiências que vamos tendo ao longo do tempo.
A maior parte dos planos terapêuticos para as disfunções sexuais assume que as pessoas são saudáveis, estão numa relação feliz e com um/a parceiro/a extremamente compreensivo perante a disfunção sexual. Lá estamos nós novamente a simplificar!
A verdade é que esta é uma situação um pouco distanciada da realidade, até porque assumindo que tudo isto existe, ainda temos o outro elemento que está a vivenciar ter um/a parceiro/a com uma disfunção sexual. O que por si só já complexifica um pouco as circunstâncias!
Neste artigo revimos a definição de disfunções sexuais, destacando as suas causas, sintomas e a importância de procurar ajuda profissional quando necessário. Tais disfunções podem surgir de diversos fatores, incluindo questões psicológicas, como ansiedade e o stress. Sinais de alerta, como mudanças repentinas no comportamento sexual, indicam a necessidade de intervenção profissional.
O papel do sexólogo clínico é essencial nesse contexto, oferecendo terapia especializada para explorar e resolver os aspetos emocionais, comportamentais e relacionais associados às disfunções sexuais, visando restaurar uma vida sexual saudável e satisfatória.
A ALENTO SAÚDE disponibiliza uma equipa de psicólogos especialistas, que através de intervenção terapêutica, mais precisamente, sexologia clínica, podem ajudar numa melhor compreensão das dificuldades sexuais e na forma como são encaradas, promovendo a partilha de informação com evidência científica e a aprendizagem de estratégias para gerir de forma mais positiva e eficaz os sintomas e o sofrimento que estas possam causar. Mesmo que sejam apenas algumas dúvidas.